Ouviu-se o apito que sinalizava o fim da
partida.
Bocas abriam-se proferindo
gritos, alguns de apoio outros de escárnio, mantendo o ambiente infernal. Mãos
batiam palmas, umas celebrando a vitória outras de agradecimento pelo esforço
dos derrotados, ainda que pelo meio umas preferissem mexer certos dedos
simbolizando felicidade ou injúria. Vozes roucas, gargantas roxas, juntavam-se
ao som de tambores, cornetas e outros objetos que servissem para fazer
barulho.
Era nesta envolvente frenética
que se procedia aos habituais cumprimentos entre os intervenientes no final do
jogo. Jogadores, treinadores, delegados, árbitros entre outros, trocavam
palavras e gestos, uns mais quentes que outros, em que os companheiros mais
pacientes acalmavam os ânimos. Um dos árbitros chegou a libertar as mãos
enrolando o apito no seu cordel para tirar o cartão vermelho do bolso, mas
acabou por não o mostrar a ninguém tendo a situação sido regularizada sem a
intervenção dos juízes.
Emoções! O que seria o desporto sem elas?
A desordem ruidosa ia terminando,
ficando pequenos grupos de adeptos que ainda deambulavam pelas bancadas. A
equipa de arbitragem, chateada e cansada deste jogo renhido difícil de ajuizar,
terminara já as suas funções e apressava-se para o seu balneário. Um deles
pegara nas suas coisas com rapidez tal que metera tudo na sua mochila sem
ordem, deixando a mala mal fechada ficando à vista o que pareciam uns cordéis a
baloiçar para fora do fecho. Passaram pelos homens da limpeza, um muito mais
velho do que o outro, que estavam encostados à parede da entrada que ligava o
campo aos balneários.
– Boa noite e boa
sorte, isto ficou em pantanas. – Diziam os árbitros de fugida aos homens da
limpeza enquanto ainda levavam com apupos de dois adeptos da casa que
permaneciam na bancada. Um com uma t-shirt
com o número 7 nas costas, outro com um gorro que continha duas espadas
cruzadas em “X” na zona da testa como símbolo, não respeitavam os avisos dos
seguranças.
– Senhores árbitros… – balbuciou
de forma sucinta, em jeito de cumprimento, o velho puxando ligeiramente a parte
da frente do seu gorro para baixo com o polegar e indicador. Muito vira naquele
clube e aguardava impacientemente, com o sua esfregona encarnada e pano
encardido, que todos saíssem do recinto para iniciar o que fizera inúmeras
vezes.
Os Los Rojos, equipa visitante, tinha vencido. Motivo de grande
alegria que faziam questão de a demonstrar no balneário cedido pelo clube
visitado. Cânticos eram proferidos, – Vamos
levar daqui umas lembranças… lembranças daqui vamos levar… – ao som de
palmas que ecoavam pelos corredores dos vestiários, chegando o som abafado, mas
ainda audível ao balneário dos derrotados.
– Oiçam-nos! –
dizia o treinador da equipa visitada dirigindo-se aos seus jogadores – o que
pensam disto? Foram eles que ganharam ou nós que perdemos? Estou a ver que a
alegria dos Rojos vos é indiferente…
Alguns elementos ainda
apresentavam olhos enervados e visão turva, faces rubras do esforço físico.
Outros misturavam essa cor com a vergonha por terem perdido em casa contra o
rival.
– Não foi nada
disto que trabalhámos… o que aconteceu no jogo? – continuava o treinador,
estando ele próprio abalado pelo desenlace da partida.
Entre este balneário que continha
um monólogo e o outro que continuava em festejos, encontravam-se os dois homens
da limpeza que tinham iniciado a sua labuta.
– Tolos, todos
eles, quero lá saber disto, só me dão é trabalho desnecessário… estávamos bem
era no Rouge a virar uns tintos –
referindo-se ao bar Maison Rouge
situado não muito longe dali, sempre com clientes azarados, taciturnos ou
ambos.
– Isso é que era. –
concluía o homem da limpeza mais novo. – E aquele idiota do capitão…
– Ainda por cima
não recebemos nada de especial… o que vale é que de vez em quando compenso com
estes cinco dedos, não é verdade minha encarnadinha? – dirigindo-se à sua
esfregona, fazendo no ar um gesto circular com o pulso e dedos em que, à sua
vez, cada falangeta tocava na palma da mão, começando pelo mindinho e
terminando no indicador.
O homem mais
novo ria-se baixinho em concordância quando é interrompido…
– Com licença! – exclamou o
delegado da equipa, quase pontapeando os baldes cheios de água e detergente.
– Eh lá… – exclamou o velho num
misto de surpresa e comprometimento – onde vai com tanta pressa? – continuou.
O delegado deixo-o sem resposta
dirigindo-se à porta da sua equipa. Ainda com a respiração ofegante rodou a
maçaneta, abrindo-a. O treinador, virou-se de repente para trás, num misto de
surpresa e repreensão. Não gostava que entrassem assim no balneário, muito
menos quando ele falava com a equipa.
– Peço desculpa,
mas estava a arrumar o material de jogo e deparei-me com a falta de bolas de
jogo, balizas fora do lugar, garrafas estragadas, quadro tático rachado, toucas
desaparecidas… – disse com aflição o delegado. O clube não andava bem de
finanças e após a derrota não era este tipo de notícias que se desejava ouvir
no seu seio.
– Quando… – respondia o
treinador.
– Nós podemos dar
uma ajuda quando sairmos daqui – interrompeu o capitão da equipa num misto de
coragem e oportunismo.
O treinador olhou para ele…
passou rapidamente os olhos pela restante equipa. Percebeu que o discurso que
transmitia à equipa talvez tivesse de o fazer sozinho para consigo… tinha de se
debruçar sobre as verdadeiras razões destes comportamentos da equipa em jogo,
limpar a cabeça. Tudo o que dissesse agora não ajudaria ninguém. Parou o olhar
novamente no capitão, dizendo afirmativamente:
– Equipa, vamos respirar fundo,
paremos por aqui. Vamos ajudar o nosso staff
a encontrar o material. Amanhã dou folga, voltamos na terça-feira em força!
Alguns jogadores entreolharam-se.
Este comportamento não era comum no treinador, embora alguns não tivessem
gostado da intervenção do capitão (andavam fartos das suas presunções,
especialmente o guarda-redes suplente), outros sorriram timidamente para o capitão
em forma de agradecimento. Finalmente estavam libertos daquele ambiente de
cortar a respiração.
Já no cais da piscina… – Obrigado
maltinha – felicitava o delegado a alguns jogadores – obrigado pelas bolas,
vocês agora vão ver o resto ali…, Ò guarda-redes, os dois, vocês venham cá,
preocupem-se com os vossos gorros. – ordenava.
– Olhe, desculpe lá, tinha o meu
gorro pendurado aqui com os cordéis atados no fato-de-banho e com isto tudo nem
dei conta. Mas está aqui!
– Ok “redes”, o gorro número 1 já
está, vão lá encontrar o outro, por favor. – respondera o delegado.
Percebendo a nova azáfama no cais
da piscina o velho homem da limpeza e o seu parceiro pararam com os seus
afazeres, retirando-se rapidamente, desta feita para o balneário dos árbitros
que já se tinham ido embora, aproveitando para limpá-lo…
Assim que terminava um jogo, era
costume todos ajudarem a arrumar o campo e o material de jogo nesta modalidade
amadora. No entanto, devido às circunstâncias do ardente jogo, praticamente
todo o material foi deixado espalhado, à mercê…
Já poucos permaneciam no local de
jogo. Praticamente só estava a equipa da casa a colocar tudo no devido lugar,
juntamente com o restante staff e
treinador. Os homens da limpeza já se encontravam noutra parte do recinto e
dois últimos seguranças da empresa Às
Sete Espadas faziam uma última vistoria aos corredores e acessos aos
balneários e bancadas. Esta empresa de segurança tudo fazia para manter a
ordem, “Seguro Às Sete Espadas”, era
o lema. Por sinal, estes dois seguranças já tinham enfrentado problemas com
adeptos da própria casa pois o capitão constantemente os instigava, tendo
depois os seguranças de sossegar a cólera dos torcedores.
De repente ouvem-se passos
rápidos e curtos! Dois homens entram no balneário onde estava o capitão.
– Ei! Oi! O que é
isto?! – pergunta o capitão espantado. Este tinha se escapulido da tarefa de
ajudar de arrumar o cais da piscina e já se encontrava a tomar banho sozinho,
quando foi surpreendido…
– Era mesmo isto
que queríamos, apanhar-te sozinho, enquanto a equipa está ali entretida… esta é
por tudo aquilo que já nos fizeste passar… – berraram os infratores enquanto
davam uma surra ao capitão.
– Olha-me para este com
uma tatuagem da carta 7 de espadas no
ombro… – dizia um.
–
Deve ter a mania, nem que fosse um ás,
levava na mesma… – vociferava o outro.
Os ainda presentes na piscina
ouviram a vozearia e acorreram ao balneário encontrando o capitão sozinho
deitado no chão em posição fetal derramando sangue de uma das têmporas.
Enquanto
o treinador ligava para o 112, o delegado ligava ao médico do clube que tinha
acabado de entrar no seu escarlate Porsche no parque de estacionamento, em
vista a que ele pudesse acudi-los.
– Inconsciente, mas vivo. – reitera o médico
acalmando a restante equipa, continuando com os cuidados médicos.
– Mas quem terá feito este
horror? – diz um dos jogadores.
Entretanto chegam ao balneário os dois
seguranças.
– Vínhamos para
aqui, mas ao cá chegar vimos dois indivíduos a fugir do balneário… um deles com
uma t-shirt com um sete nas costas. –
relata o primeiro segurança, agarrando o outro adepto endiabrado pelo braço
esquerdo.
– E este “menino”
aqui era o outro delinquente. – continuando o segundo segurança agarrando o
braço direito do suposto agressor.
– Larguem-me eu não fiz
nada… – gritava o adepto endiabrado enquanto esperneava.
Os ânimos exaltavam-se! Os outros
jogadores estavam sedentos por agredir o pilantra!
– Acho que eram
estes dois que só vinham aos jogos para cometer delitos, desde roubos e ofensas
a todos: árbitros, treinador e até ao capitão da própria equipa… ainda há pouco
acho que eram estes dois que insultavam os árbitros. – refere o primeiro
segurança.
– Admito! Eu e o
meu “sócio” viemos aqui roubar, esperámos até que estivesse menos gente e menos
seguranças…, mas não batemos em ninguém. – grita o torcedor.
– Roubar o quê? –
pergunta o delegado da equipa – penso que não haja aqui nada de grande valor…
– Tudo serve… grão a grão…
– diz em risos o de gorro com um símbolo de espadas em “X” na zona da testa,
esquecendo-se da dor causada pelos seguranças que lhe torciam os braços.
– Levaram alguma coisa? –
exaltando-se o treinador com todo aquele teatro.
– Só aquele
“capacete” vermelho que alguns de vocês usam, nunca percebi muito bem, só venho
para aqui beber e divertir-me com os meus “manos”, mal sei as regras – soltando
uma gargalhada – … estava no balneário dos árbitros… – sorria – infelizmente
não deu para mais nada, pois ouvimos uma gritaria do outro balneário, parecia
que estavam a matar alguém… e fugimos. Não fossem estes dois “gorilas” terem
surgido tão rapidamente… e terem me apanhado logo e tinha fugido também com o
meu “sócio”.
– Nem mais uma
palavra… estás a mentir! – dizia o segundo segurança enquanto lhe torcia mais o
braço.
– Amigos… –
interrompe o velho homem da limpeza – confirmo a versão desse infeliz. Eu e o
meu colega limpámos o balneário dos árbitros e vimos o gorro vermelho lá, nem
sabemos como foi lá parar…, mas ficou lá, nem lhe tocámos…
– Não acredito
que o deixaram lá, não sabiam que estávamos a arrumar? – responde efusivamente
o delegado.
– Queremos lá saber! –
grita o velho.
Continuando o homem de limpeza
mais novo – Se não fossem estes jogos aos domingos à tarde, já nos estávamos a
divertir há muito… no…
– Rouge? – interpela um dos jogadores a
rir provocando reação semelhante aos colegas de equipa.
– Calem-se! – remata o
velho.
– Sim… – mudando
de assunto um dos seguranças – nós também vimos lá essa touca com nº 12 quando
fizemos a ronda…, mas não ligámos muito… pedimos desculpa por isso.
– Pois, ainda
pegámos nela e vimos bem a marca e o número para perceber se era da nossa
equipa, mas depois ouvimos passos rápidos no corredor e fomos investigar,
deixando lá a touca – diz o outro segurança.
– Passos rápidos
deviam ser os vossos próprios, quando saíram do balneário onde estava o
capitão… – gargalhava o adepto já ajoelhado forçosamente pelos seguranças.
– Vamos todos
permanecer serenos e aguardar pela polícia. – acalma o treinador, trocando
olhares com o delegado e a restante equipa, questionando-se – porque é que eles teriam feito isto? –
referindo-se ao crime que acabara de acontecer. O treinador só não compreendia
a causa, mas já sabia quem era o par culpado. Ele, o delegado e os jogadores
estavam dispostos a serem testemunhas e a dizer quem eram os culpados à
polícia.
1)
Que modalidade desportiva está subentendida no texto?
2)
Quem é o par culpado que o treinador, delegado e
jogadores dirão à polícia?
2.1. Como chegaram a esta conclusão?
3) Por que motivo esse par espancou o
capitão?