O penúltimo problema do Torneio memória continua a aguardar que enviem a resposta para apaginadosenigmas@gmail.com até ao final do dia 31 de deste mês de maio.
O texto de hoje é sobre algo com que estou em discordância, mas que é aqui publicado numa perspetiva histórica do policiário em Portugal. Refere-se a uma divisão dos problemas policiários em tipologias distintas e existe já há algumas dezenas de anos.
Esta divisão que aqui se apresenta foi publicada por Artur Varatojo no seu ABC Policial nº 2, na década de 50 do século passado, provavelmente em 1955 ou 1956.
Os Diferentes
Tipos de Problemas Policiários
Existem centenas
de problemas policiários publicados em Portugal. Apesar de poder gerar alguma
polémica, apresentam-se as oito categorias em que estes costumam estar
divididos. Repare-se que uma das discussões poderá advir do facto de, no
mesmo problema, poderem existir elementos que podem colocá-lo em diferentes
categorias. Será possível ultrapassar esta situação, mas essa discussão está
fora do âmbito destas linhas.
1 –
Eliminatórias.
Poderá ser um
tipo de problema bastante simples, mas que por vezes dá muito trabalho a
resolver.
A partir de
inferências, o solucionista apenas pode chegar a uma conclusão correta, não
havendo dualidade possível. Se as diferentes premissas surgirem inseridas na
narrativa ou nas declarações, o problema fica valorizado. Nos problemas
publicados em Portugal pode considerar-se que As cinco flores, de M. Lima, é
um problema que se insere esta categoria, sendo de resolução bastante acessível.
2 – Contradição
Nesta categoria
podem enquadrar-se múltiplas situações, desde aquelas em que o criminoso se
contradiz, com outros suspeitos cujas declarações são tomadas como verdadeiras,
ou quando as declarações entram em oposição com a realidade dos factos.
O problema é
mais valorizado quanto mais escondida no texto se encontra a contradição.
De notar que
este tipo de problema era muito utilizado nas situações em que era apresentado
oralmente, em emissões radiofónicas nos anos 50 do século passado.
No âmbito desta categoria, por a solução surgir de uma contradição entre a realidade e as declarações, incluiria o problema O Inspector Fidalgo ao luar do verão, do Inspetor Fidalgo.
3 – Técnico
Esta é um das
categorias em que é maior a raridade dos problemas e, também, onde se encontram
algumas dificuldades de resolução, muitas vezes por o solucionista não ter acesso à
informação necessária, embora nos tempos atuais, com a net à disposição, seja
mais fácil obter essa mesma informação.
O conhecimento
pode ser de muito tipo: impressões digitais, livores de hipóstase, venenos,
pegadas, vestígios de sangue, larvas, etc.
Muitas vezes,
além de encontrar o criminoso, o solucionista tem que primeiro descobrir como o
crime foi cometido. Quase sempre, todos os elementos são claramente expostos e
cabe ao decifrador fazer a sua colocação no local certo e usá-los do modo correto.
Os problemas colocados nesta categoria, raramente têm apenas estes aspetos. Por ser um dos mais interessantes do autor, e que cabe nesta classificação, refiro Morte no Talho, escrito por Lumago Ampe.
4 – Trajetórias
Embora envolva
uma análise técnica, distingue-se da categoria anterior porque se aplica
especificamente a esta situação.
Repare-se que quando o crime é cometido através de um disparo, uma linha
reta liga a vítima ao criminoso, pelo que se detetarmos a trajetória do
projétil se torna mais simples concluir quem poderá estar naquele local onde
foi feito o disparo.
Nesta categoria
a parte mais técnica está ligada ao comprimento dessa linha que une a vítima e
o criminoso, e que pode ser determinada pelas características do orifício onde
entrou o projétil.
5 – Enigma
Este é uma categoria
onde os casos acabam por ser menos ligados à realidade. A vítima, quando está
para morrer, deixa uma qualquer pista, sob uma forma enigmática, que deverá
conduzir ao assassino.
É um tipo de
problemas onde a associação de ideias toma um papel relevante, pois é essa
ligação que permite, a partir de um indício que o criminoso viu, mas não entendeu, seguir a pista que conduz até ele ou ao seu nome. Mais do que pensar como o criminoso, o
decifrador deve colocar-se dentro da vítima, percebendo o modo como ele pensa.
Aqui, vai ficar um problema bem recente: Em dia de Romaria, do Inspetor Moscardo.
6 – Observação
Este tipo de
problema faz recurso de uma imagem, seja ela um desenho ou uma fotografia,
sendo muito frequente, normalmente, em secções que apenas se dedicam à
divulgação do policiarismo. É possível construir problemas simples e que
ocupam pouco espaço de publicação.
Muitas vezes, este problema poderá estar
associado a outras categorias, designadamente a contradição entre os elementos
declarados e os observados. Note-se que sem uma observação atenta da imagem,
não será possível resolver o problema.
Escolho um problema em banda desenhada, Crime na mansão de A. Coelho.
7 – Imaginativo
É o tipo de
problemas que gera mais polémica entre os solucionistas, sendo frequente que
estes apresentem e justifiquem caminhos diferentes, que consideram corretos,
sendo muitas também diferentes daquele que o autor indica.
O solucionista
tem que procurar uma solução lógica que ligue todos os elementos, e una o
criminoso à vítima, o que nem sempre é um caminho fácil de seguir.
Dá muita
liberdade ao autor do problema, mas como os elementos estão mais livres, o
decifrador tem alguma dificuldade.
Não são muito frequentes os problemas que se poderiam aqui incluir. Eu escolho Não se lava um crime..., de Constantino.
8 – Limitação
Horária
O criminoso
apresenta um falso alibi, baseado numa referência horária que não é verdadeira.
A partir daí, está aberto o caminho para chegar à solução. Repare-se que esta
situação acerca das limitações horárias, pode surgir num problema da categoria
Observação, onde, numa imagem, pode ser possível consultar a hora do crime, ou
a hora apresentada como alibi.
Por se tratar de uma situação de impossibilidade horária, que na verdade também é uma contradição, indico aqui O Roubo das Joias, de Sete de Espadas.
Estão
apresentadas as oito categorias clássicas de problemas policiários, mas sem
dúvida, que a experiência vai mostrar que ela é limitadora e que existem alguns
problemas que serão difíceis de encaixar em qualquer uma destas categorias,
seja porque estão em várias ao mesmo tempo, quer porque não se enquadram em
nenhuma delas. Deixo aqui só dois tipos de chave que não sei como encaixar: "caça ao erro" e criptografia.
Não esquecer que
esta classificação tem cerca de 70 anos.
Mas as consequências desta divisão... ficam para a reflexão individual.