domingo, 21 de setembro de 2025

A Página dos Enigmas nº 146



Hoje chegou a notícia do falecimento do Abrótea/Visigodo. Era um policiarista sempre presente nas mais diversas iniciativas e promotor de várias.
Como homenagem, fica aqui um problema seu e respetiva solução. Não sei se é o primeiro da sua autoria, mas penso ser o primeiro em que surge Sir Aldra.
O problema saiu em setembro de 1996 na Célula Cinzenta e a solução no número 50, o seguinte, em dezembro do mesmo ano.
Como o texto passou num programa de reconhecimento de texto, podem ter escapado algumas gralhas. 

UMA VIAGEM AO PASSADO... POR ARTUR O''ALDRA'

Naquele dia os crimes estavam de folga, por isso eu e o meu amigo Matos estávamos decididos a passar uma tarde agradável... nos copos. Mas ficámo-nos só pela intenção pois tivemos de aturar as aventuras e desventuras de Artur, mais conhecido pelo 'Aldra', e com razões para isso.

Apareceu-nos gabinete dentro, quando nos preparávamos para fechar o estaminé, como habitualmente aos berros, braços levantados, como se estivesse numa feira. Certamente que nos vinha confessar a sua última façanha, talvez até tivesse salvo alguma donzela das garras do dragão. Dirigiu-se até nós.

-Ei, Ricky, tudo bem, olá Matos, como estás. Ambos respondemos: -Bem, obrigado, mas dá-nos licença que vamos 'zarpar'.

 -Eh lá, que é isso? Não vão nada. Vão ouvir a minha mais fantástica e fabulosa aventura.      

-Como sabem, o professor k = inventou a máquina do tempo, e convidou-me para ser o primeiro viajante ao passado, como seria de esperar eu aceitei, mas com muitas condições, como era obvio.

- Mas vejam lá vocês, meus bons amigos, o que me sucedeu...

Entretanto, eu, pelo canto da boca ia dizendo para o Matos: -Lá vem a história do dragão.

-Meus amigos, vocês não vão acreditar, fui parar ao ano da Graça do Senhor de 1582, e tive logo a felicidade de encontrar o Papa Gregório X, que os senhores já devem ter ouvido falar...

-Oh, sim -respondi eu prontamente. -Andou comigo na escola...

-Eh pá! Tu não gozes comigo, 'tá bem’? Mas como 'tava' dizendo, nesse dia 10 de outubro de 1582 cumprimentei sua santidade o Papa Gregório de Túrones, bispo de Neocesareia, que nessa mesma noite me apresentou a Carlos I, rei de Inglaterra, filho de Jaime III.

-Oi, chega! -disse eu. -Também andei a estudar, se não te lembras. Só neste bocadinho disseste mais mentiras, que alguns dos suspeitos todos juntos.

Bem. E eu só quero que me digam quais as petas que Artur (Sir Artur 'Aldra') nos pregou...



Solução

(...) o tipo enfiou:          ·

-Mentiras?! Eu ia lá contar mentiras a vocês, dois tipos fixes!...

-Pois olha: para começar o tal Papa Gregório X viveu no século XII, foi Papa de 1271 a 1276; o Papa, nesse ano da graça de 1582 era Gregório, sim, mas o XIII!

Este Gregório XIII, reformou o calendário; é por isso que o calendário que usamos hoje se chama gregoriano.  Antes, vigorava o juliano, o qual, ao fim de aproximadamente 400 anos, fazia com que houvesse um atraso de 3 dias. Assim, e como a Igreja Católica, no Concilio de Niceia (em 325), relativamente à data da Páscoa tinha decidido que o Domingo de Páscoa devia ser associado a primeira lua da primavera, o desvio progressivo do calendário em relação ao equinócio faria com que a Páscoa se celebrasse no pino do verão.

Parei, para tomar fôlego.

-Por isso, em 1582 e desde 325, o equinócio da primavera tinha, no calendário, avançado dez dias em relação a 21 de março, data que lhe tinha sido atribuída. A reforma teve, pois, por objetivo estabelecer a concordância entre o calendário e as estações. Nesse ano, o Papa ordenou a supressão de dez dias: o ano de 1582 teve, pois, apenas 355 dias. Em Roma, a quinta-feira dia 4 de outubro foi seguida de sexta-feira, 15 de outubro... Quer dizer: o dia I0 de outubro nunca existiu! Por curiosidade, Santa Teresa de Ávila morreu a 4 de outubro desse ano, e foi enterrada no dia seguinte, a 15... Nem todos os países adoptaram o calendário ao mesmo tempo; em Espanha e Portugal, entrou em vigor ao mesmo tempo que em Roma; em França, em dezembro do mesmo ano; os países protestantes só o adoptaram vários anos depois, até mesmo só por volta de 1700 (Países Baixos, Suíça). Em Inglaterra, foi no ano de 1752, e tiveram de cortar onze dias. O Japão adotou-o em 1873, a China em 1911, e os países de tradição ortodoxa conservaram o calendário juliano até este século; a antiga União Soviética, por exemplo, adotou-o apenas em 1918, e a Grécia, em 1923!

0 'Aldra' tentou replicar:

-Pois é, que...

Mas eu já estava embalado:

-Gregório de Tunores nunca foi Papa! Este teólogo e historiador francês viveu no século VI (muito antes de 1582, meu caro Artur!), e a sua principal obra, intitulada 'História dos Francos', data de 538 ou 594. Outro Gregório, São Gregório, o Taumaturgo, é teólogo da Igreja Grega, foi realmente Bispo de Neocesareia e é festejado a 17 de novembro; mas morreu em 270: -no século III, meu caro Artur!

-Devo ter feito confusão; afinal, têm todos o mesmo nome...

Mas nem o deixei terminar:

-Nessa altura, as relações entre o Papa, como chefe da Igreja Católica, e o rei inglês, chefe da Igreja Anglicana (criada par Henrique VIII, em 1534, com o Ato de Supremacia) não eram muito cordiais. A rainha Isabel I (que reinou de 1558 a 1603) detestava católicos; não seria de esperar encontrá-la em bons termos com o Papa Gregório XIII! E existiu realmente um Carlos I, rei de Inglaterra e Escócia; por acaso, até foi executado quando da instauração da República Inglesa. Mas… nasceu quase vinte anos depois da pretensa reunião com o Papa, em 1600 e foi decapitado em 1649! E, para acabar, o pai dele chamava-se Jaime, da casa dos Stuarts, mas era o I, e não o III!

E, com esta estocada final, peguei nas minhas coisas e sai do gabinete, seguido de perto pelo Matos, deixando atrás de nós um Artur reduzido à insignificância.


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